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quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O Milagre Chinês


Fazer uma leva Chinesa foi um dos maiores desafios que tive até o momento. Tudo começou quando 2 grandes amigos que fiz em Qingdao, Thomas (alemão) e Bryan (italiano) souberam que eu tinha experiência nesta arte. Eles acharam interessante e queriam participar de uma leva.

O primeiro desafio foi encontrar insumos e equipamentos na China. Fiz uma pequena lista do material que seria necessário para fazer uma leva. Faríamos na casa de Thomas, no fogão caseiro mesmo. Para fermentadores poderíamos utilizar os garrafões de água, eu havia trazido comigo alguns equipamentos pequenos, como hop bag e grain bag, além de um sifão. Impossível! Simplesmente não havia um fornecedor chinês de insumos. Pelo menos não em pequena escala.

As panelas seriam fornecidas por um amigo, dono de um restaurante italiano, que dividia apartamento com Thomas. Eu avisei que precisaríamos de duas panelas grandes. O restante do equipamento era simplesmente impossível de encontrar, insumos então... esqueça.

Falei com os dois que seria muito difícil. Entretanto Thomas, que iria fazer uma viagem de negócios a Recife, se prontificou a trazer todos os insumos do Brasil. Com a notícia, fiz uma receita básica de uma APA. Utilizaria maltes pale ale, caraamber e carared, para lúpulos pedi um saquinho de cascade e o fermento escolhido foi o US-05 (seco) além de whirfloc, comprei tudo na turma e pedi para ser entregue na casa de uma amiga, que se encarregou de entregar tudo a Thomas.

Tive algumas preocupações com essa “loucura”. Primeiro seria o tempo em que o lúpulo e o fermento ficariam longe do refrigerador (3 dias). A segunda preocupação foi com relação a alfândega na chegada, pois Thomas estaria trazendo uma carga viva (fermento) e grãos, o que, supostamente, necessitaria de uma anuência do governo local. Principalmente aqui na China.

Entretanto, tudo deu certo. Ou melhor, quase tudo. Um dos sacos de grãos se rompeu na viagem e perdemos cerca de 1 kg de pale ale. Para compensar a falta teria que adicionar um pouco de açúcar para poder atingir a OG necessária.

Fiquei tão feliz com a possibilidade de voltar a fazer uma brassagem após quase 6 meses “em branco” que não pensei num detalhe, como moer os grãos. Dois dias antes da data marcada para a brassagem rodei a cidade atrás de um moedor que pudesse fazer o serviço. Tudo em vão. A única coisa que encontrei foi um moedor de alho, feito de plástico e muito pequeno. Tinha que servir!

Um dia antes comecei a moer os grãos e constatei que o moedor iria servir, mas demoraria um bom tempo para concluir o serviço. Por isso comprei dois pilões de pedra para que pudéssemos quebrar os grãos. No hora marcada para a brassagem eu ainda não tinha conseguido moer nem a metade dos grãos. Entreguei um pilão para Thomas e outro para Bryan. Demoramos ainda umas 3 horas para finalizar o serviço. Tudo regado a Tsingdao a marca de cerveja mais famosa da China, mas que tem a qualidade de uma “ambeviana”, ou seja, refrescante mas não satisfaz.

Terminada a primeira etapa colocamos os grãos dentro da bolsa e começamos a brassagem. Quando eu disse a Thomas que precisava de uma panela grande ele exagerou um pouco e trouxe uma de 200 litros. Ou seja, a água para a brassagem, cerca de 12 litros, quando colocamos na panela ficava na altura de um dedo. Resultado, fizemos a brassagem em 3 panelas menores, quando tudo estava pronto usamos o grain bag como um filtro para o mosto que jogamos dentro da panela grande.

Como a panela era muito grande e estávamos utilizando um fogão doméstico só conseguimos a fervura com a panela fechada. Neste ponto eu já não estava mais preocupado com DMS, “se esta cerveja saísse já seria um milagre”, era meu pensamento.

Terminada a fervura tivemos que passar o mosto, ainda quente, para duas panelas menores, assim poderíamos colocar o gelo na panela grande. Com o gelo na panela grande colocamos as panelas em banho Maria para efetuar o resfriamento do mosto. Mais uma vez, sabia o problema que isso poderia causar, mas nesse ponto.....

Ativamos o fermento e jogamos dentro de dois garrafões de água. Improvisamos os airlocks e deixamos num quarto que não era utilizado na casa de Thomas. Como a temperatura estava em torno de 20 graus na cidade seria uma preocupação a menos.

Para minha surpresa a fermentação ocorria a passos largos e a cerveja tinha um vermelho profundo muito bonito. Fizemos a maturação na garrafa mesmo, pois Bryan iria viajar e tivemos que acelerar o processo. Utilizamos garrafas plásticas de 500 ml de água.

Uma semana depois de engarrafada a cerveja colocamos as garrafas para gelar e convidamos os amigos para experimentar. Antes porém compramos umas cervejas para poder ter certeza de que beberíamos algo aquela noite.

Para minha surpresa a cerveja estava bem agradável. Com um aroma peculiar do cascade e um sabor balanceado do malte.

Foi um verdadeiro milagre chinês!

Cheers.

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